Guia de entrevista para recrutadores de TI (segundo a visão de um desenvolvedor)

Ruben Marcus
22 min readSep 3, 2020

Olá pessoal. Resolvi escrever esse artigo, para contar um pouco da minha visão sobre minha experiência com entrevistas e vagas em TI.
Sou Software Engineer com especialidade em desenvolvimento front-end, e já trabalhei em mais de 53 projetos em 8 anos de carreira.
Nesses 8 anos, passei por inúmeros processos seletivos, dos mais variados níveis, desde empresas no exterior, até startups unicórnios, o objetivo desse artigo é servir como ferramenta para recrutadores conseguirem ter uma melhor experiência com os candidatos que procuram, e os candidatos conseguirem a tão sonhada vaga, mas tenha a consideração que esse artigo foi construído em cima de relatos e experiências pessoais, que nem sempre podem refletir a sua idéia de processos seletivos de mercado, mas que serve como base para reflexões e aprendizados, vamos direto aos pontos:

1.Leia o perfil do candidato

Sabemos que existem diversos perfis de empresas e vagas no mercado. Existem as empresas em que tecnologia não é só o core da empresa, como é uma questão de sobrevivência e produto. Essas empresas, geralmente são muito difíceis de um candidato entrar.
Analisar a empresa que o candidato está trabalhando é o primeiro ponto.
Analisar mesmo, olhar em ferramentas como Glassdoor, ReclameAqui etc.
Analisar quanto tempo o candidato está na empresa. Se está a pouco tempo porque iria sair da empresa tão cedo?
Se está a muito tempo, não estará trilhando uma carreira dentro da empresa?
Quais tecnologias e metodologias o candidato domina, e demonstra isso no seu perfil?
Qual a disponibilidade do candidato, ele se mostra disponível, ou coloca que não está interessado em vagas?
As atividades do candidato, e opiniões tem fit com a cultura da empresa?
O candidato é bom tecnicamente, mas péssimo em trabalhar em equipe?
Ter um perfil extenso e explicativo, ou um perfil em que omite informações, demostra o que no candidato?
O fato de o candidato ter citado um dos requisitos da vaga em 1 experiência profissional, ou em várias faz alguma diferença? Ele ser referenciado nisso também faz?
Como medir a capacidade de aprendizagem e crescimento do candidato: ser ativo na comunidade, participar de eventos, projetos e prêmios publicados, referencias?

Uma das minhas maiores frustrações depois que me tornei pleno, era receber vagas que eu via na hora que o recrutador não tinha se perguntado pelo menos uma ou duas dessas questões antes de me enviar a vaga.
Não vejo problema em receber vagas de posições que não são fit pra mim, em questão técnica ou até cultural, mas a atitude de mandar vagas em formato SPAM, ou como se o candidato estivesse desesperado por um novo emprego, quando muitas vezes a chance de um desenvolvedor pleno, sênior, especialista estar bem no emprego são GRANDES, irrita muitos desenvolvedores.

2.Tenha empatia

Quantos candidatos deixam de ganhar a oportunidade que tem capacidade para enfrentar e trabalhar, por processos mal feitos? Por julgamentos errados?
Quantos candidatos, muitas vezes não tiveram acesso a informação precocemente (Eu sou um privilegiado, meu pai é programador desde o começo da década de 90, e eu tenho contato com Informatica e TI desde meus 6 anos de idade) , muitos mal tinham celular, ou um computador a poucos anos atrás, mas apresentam resultados e um esforço descomunal, diferente de muitas pessoas que tem certificados e até faculdade, que desdenham da oportunidade.

Assim como você espera que os candidatos não trate você como um número, e que tudo ocorra bem durante o processo, seja para o SIM ou para o NÃO, nenhuma das partes quer ter uma experiência negativa e mal feita, muitas vezes traumática.

Muitas vezes conhecimentos técnicos não dizem nada. Não dizem nada sobre a história do candidato, do esforço para estar ali. Não precisa ser a babá ou o psicólogo do candidato, mas se esse demonstrou interesse pela vaga, ou se foi você quem foi atrás dele, caso o candidato tenha respondido alguma pergunta, em que a chance dele ser contratado diminuiu muito ou se extinguiu, o mínimo que ele espera é um feedback e alguma consideração (não pensando em candidatos que desrespeitam o profissional de RH, ou que são grosseiros e arrogantes)

3.Sua empresa não é o mercado

Assim como existem candidatos picaretas, que dizem ser sênior, sem ter o mínimo de experiência e conhecimento técnico ( Ser sênior não é apenas isso, mas saber trabalhar em equipe, ter resiliência, saber lidar com pressão), existem empresas que vendem uma imagem excelente, vídeos bem produzidos, gestores super eficientes, colaboradores sempre contentes, benefícios extraordinários, processos seletivos engrandecedores…

E aí na prática.. Bem na prática, exigem testes cansativos. Pedem horários absurdos para entrevista. Pedem um, dois ,três projetos para avaliar o candidato, falam que a oportunidade é a oportunidade da vida do candidato, que vai coloca-lo em outro patamar, que ele vai ser mais feliz do que nunca, mas que para atingir esse tão esperado prêmio, a tarefa é árdua e complicada..

Bem falando de um relato pessoal:

Recentemente, a um ano atrás uma empresa famosa, unicórnio da moda e da mídia me abordou para uma vaga. Sem ideia de salário, apenas benefícios, e falando da cultura da empresa.
Como no momento eu queria me avaliar profissionalmente e ver minha régua técnica, e como tinha contatos que falavam bem da empresa, e do seu processo seletivo, eu fui e arrisquei.

O recrutador na época, ficava me bajulando, falando que eu era o candidato ideal para vaga, que queria me ver na empresa e ia se esforçar ao máximo pra me auxiliar a entrar na empresa.

Começamos o processo. Virtualmente, primeiro mandaram perguntas sobre minhas expectativas. Mandei tudo, salário, rotinas, ambiente de trabalho, expectativa de plano de carreira e crescimento, expectativas técnicas e fit pessoais e culturais.
Até ai não me falaram nada mais, só que estava OK.
Me passaram um teste psicológico super chato de 20 minutos, com mais de 300 questões, muitas repetidas, me senti um idiota respondendo, como se eles colocassem a mesma pergunta 5x pra testar se eu respondia a mesma coisa em todas as vezes. Ok, feito.

Próxima etapa entrevista técnica: Aqui as coisas empacaram.
Pediram para fazer um live-coding de uma hora, com um Tech Lead da minha área, um aplicativo simples em algum framework JavaScript, nada demais, mas o Tech Lead nunca tinha horário disponível.

Após duas semanas tentando marcar a tal da entrevista técnica, me avisaram que não poderia ser feito por questão de agenda, e ai me passaram o projeto.
Projeto especificado mais ou menos, mas pedia pra ser feito em 3 dias, um projeto grande até um fluxo de telas de pagamento, com interações, responsividade, qualidade de código.
Não é impossível fazer esse teste em 3 dias, se você não tiver empregado.
Se você trabalha de 8 a 10 horas num cliente, gasta 2 horas pra se locomover pra casa, tem faculdade, ás vezes freelas, como vai arrumar tempo pra fazer um projeto desses em 3 dias?

A empresa não tem culpa dos seus problemas, mas poderia ser flexível em alguns casos…
Pedi uma semana, e fiz no fim de semana, mas a falta de resposta do recrutador, apenas exigindo que eu fizesse o teste logo e entregasse me desmotivou um pouco, e entreguei como consegui fazer, sabia que dava pra melhorar muita coisa, mas como vi que o esforço pra me recrutar estava mais no falar do que no fazer, também não dei 100%.

O recrutador sumiu. Aquela empatia e solicitude do começo do processo desapareceram. Após duas semanas que entreguei o projeto enchi o saco do cara por Linkedin. Ele viu e não respondeu.
Fiquei puto! Perdi meu fim de semana pra nada.. Promessas e promessas…

Depois de 1 mês ele me retorna: Ruben desculpa a demora, mas você não foi avaliado como Sênior e sim como pleno. Mas quero você muito aqui na empresa, acredito que o processo foi falho e vamos dar mais uma oportunidade pra você provar sua senioridade. Preciso só alinhar com o time técnico para você fazer outro teste.

Eu já tinha desistido da vaga. Não tinha interesse em estar na empresa. Não me interessava se ela ia me pagar 5 mil a mais (não ia), se ia me dar benefícios de morar na lua, de pagar plano de saúde pra família inteira, estava nem ai mais. o destrato e a forma como tudo correu só me causaram uma péssima impressão. No final eu não estava desesperado pra trocar de emprego, e na verdade eu até gostava bastante da empresa que estava. Todo esse encantamento no começo e desleixo com o resto, fez eu desistir da empresa, mesmo que eu não fosse fit técnico pra vaga, eu preferia ter o não de cara, do que toda essa enrolação.

Dois meses depois da entrega do projeto, vem o mesmo recrutador:
-Ruben abrimos uma vaga com seu perfil, quer tentar de novo?
- Não sei, mas obrigado pelo interesse.

Uma semana depois o recrutador saiu da empresa maravilhosa e mágica.

O que penso disso tudo?

1. Eu realmente não tinha fit pra vaga, e não era competente para tal

2. O processo foi muito mal coordenado, e fui mal avaliado, sem feedback nenhum do código ou de como eu estava indo nos processos da entrevista

3. A minha vaga não era essencial para a empresa. Sei da politica da empresa de contratar pessoas indicadas internamente muito mais do que pessoas abordadas por recrutadores. Sei disso porque diversas colegas que trabalham com mobile, saíram da empresa que trabalho para trabalhar nessa empresa e em menos de 1 semana estavam contratados, em um processo muito enxuto e rápido. Inclusive desenvolvedores com muito menos experiência do que eu, que dentro da empresa que eu trabalhava eram considerados Juniors, e foram contratados como Pleno e Seniors nessa nova empresa.

4.Por mais que eu use o produto dessa empresa, e acompanhe suas redes sociais e as atividades de ex colegas de trabalho nessa empresa, inclusive eventos, eu jamais trabalharia nela. Essa primeira experiência já me traumatizou num nível, que nenhum papo mole de recrutador, ou de Tech Lead que venha me falar das tecnologias mais legais, ou da experiência de trabalho mais engrandecedora possível vão me fazer querer passar de novo por um processo desses.

5.Atualmente estou bem na empresa que estou. Tenho feedbacks constantes, a evolução não só técnica, como pessoal é evidente. Tenho colegas com quem aprendo diariamente e o projeto que trabalho é um projeto bom e de destaque. Porque trocaria isso, por promessas sem comprovação e por complicações que uma “nova empresa mágica” me prometem, mas não entregam? Nem feedback dão? Se vivo num ambiente em que a cada semana, a cada mês, a cada dia descubro novas tecnologias, ferramentas e processos porque vou esperar meses por uma oportunidade que só é real pros outros?

4.Saiba o que você quer

Não adianta você mandar uma vaga de DBA esperando que um Front-end vá responder ela como candidato.

Não adianta você pegar o e-mail de um desenvolvedor e jogar no mailing da sua empresa de RH e enche-lo de SPAM.

Não adianta você não pré-selecionar os candidatos que você vai enviar a oportunidade, e fazer bizarrices: como mandar uma vaga pro candidato , na mesma posição e empresa que ele já está (eu já passei por isso)

Se você for a pessoa responsável pela vaga e as exigências, tente levantar as necessidades do projeto e empresa com o gerente do projeto, ver quais exigências são cabíveis para a vaga, quais são essenciais, quais são desejáveis, quais podem ser aprendidas com o tempo, qual background e experiência de candidato você quer. Ser assertivo pode poupar muito tempo dos dois lados.

Seu processo não tem candidaturas? Os candidatos não passam no seu processo? Será que a régua está muito alta? Muito baixa? As especificações e exigências são compatíveis com salários e benefícios?

Existe mercado de trabalho para a vaga? Como tem sido o feedback e processo da vaga? Como está a avaliação da empresa em ferramentas de opinião?

Como estão processos e oportunidades parecidas em concorrentes? Qual a abordagem dos concorrentes? Como é o ambiente e situação atual do candidato? Minha empresa e vaga oferecem atrativos que podem atrair a atenção, dedicação e reter esse candidato numa possível contratação?

Eu estou dando o melhor e sendo empático e dando atenção e feedback ao candidato, ou só estou enchendo a caixa de SPAM do candidato, sendo irônico e menosprezando sua experiência profissional?

Por menosprezar eu não quero dizer apenas ignorar, mas muitas vezes vir com textos bonitos como “ Parabéns pela sua experiência e trajetória profissional, gostamos do seu perfil” e na menor das questões do candidato, simplesmente abandona-lo.

Outros recrutadores da mesma empresa já abordaram o candidato? Qual foi a experiência que tiveram?

Se um candidato já recusou o contato, ou oportunidade da empresa, o que contatá-lo todo mês pode significar pra mim como recrutador e como empresa?

Essa são algumas questões a se levantar.

5.Seja transparente e objetivo, mas não com descaso

É muito importante alinhar expectativas logo de começo. Nas primeiras conversas já falar de salário, experiências, rotinas, projeto, expectativas de ambas as partes, valores, cultura, projeção conforme o tempo, casos de sucesso de ambas as partes, momentos profissionais e pessoais.

Quanto mais rasa a conversa e menor interesse de alguma das partes, menor chance de sucesso do recrutamento.

Caso nenhuma das partes se entenda em questão de exigências ou expectativas, sempre pode ser educado, e deixar portas abertas para futuras oportunidades. Nunca se sabe o dia de amanhã. O profissional recusado de hoje pode ser a referência de amanhã. A empresa referência hoje pode ser a falência de amanhã, ou a empresa desacreditada hoje pode ser o novo unicórnio amanhã.

Mas sempre trate com cordialidade. Nunca perca a postura. Não trate ninguém com descaso, seja o nível profissional que a pessoa estiver.

Claro que tudo dentro de seus limites. Candidatos que assediam recrutadoras, são mal educados e grosseiros, machistas e misóginos, racistas, merecem e devem ser denunciados e colocados em seus lugares.

Muitas empresas omitem feedbacks, por problemas de gestão ou até de cultura, outras tantas fazem candidatos gastarem recursos que não tem, outras perdem oportunidades de recrutar talentos por processos antiquados, preconceitos antigos e pré-estabelecidos, por exemplo : A Localiza que força seus funcionários a esconder tatuagens , eu jamais trabalharia numa empresa assim. Primeiro porque sou todo tatuado. Segundo pela politica da empresa ser draconiana. Terceiro porque essas empresas estão fadadas ao esquecimento e vão ser engolidas por novas gerações e mentalidades.

Se adapte ou morra.Acredito muito nisso. Falta de empatia, falta de transparência, processos extremamente cansativos, extremamente verticais, hierarquia exagerada, falta de visão, falta de representatividade, falta de solicitude, gestores com mentalidade de aristocracia, gestores que exigem mundos e fundos e não dão exemplos, todas empresas que tem essa cultura estão fadada aos fracasso.

Empresas, recrutadores, influencers que se baseiam em pessoas com opiniões não-empáticas, vão ser cada vez mais mal vistas pelo mercado.

Opiniões como essa :

Texto retirado de artigo do Linkedin de Influencer e empreendedor, que divulga parceria com empresas e marcas famosas, como ter e trabalhar com um profissional desses?

ou essa:

Como trabalhar com um “profissional” e recrutador desses?

Vão ter um feedback muito ruim, e não só de quem opina, mas quem compartilha da mesma opinião.

6.Dê feedbacks!!!

Quanto mais atenção, processos e exigências você exige de um candidato, mais ele espera que o retorno, seja em feedback, em contratação ou condições da vaga aconteça.
Desprezar o candidato, e fazer perder seu tempo e dinheiro, só vai causar uma péssima impressão sobre a empresa, e sobre o profissional de recrutamento.
A chance de um candidato recusar o contato com você e até bloqueá-lo é praticamente certa.

Vou contar uma experiência pessoal que reflete isso:
Em 2015, após trabalhar mais de 3 anos em startups pequenas e agências, eu resolvi que ia entrar numa empresa grande.
Vi uma vaga para desenvolvedor front-end na Centauro.
Resolvi aplicar. Não lembro a plataforma que encontrei, se foi no Trampos ou Linkedin.
Lembro que acabei me candidatando por duas empresas, duas consultorias, uma multinacional de RH e Recrutamento com foco em TI, outra uma consultoria de TI que foi fundada por profissionais de tecnologia.

Na primeira fui no escritório na Paulista, fiz um processo demorado, escrevi redação, fiz testes psicológicos no papel, escrevi contatos de 3 últimos empregos, fiz bateria de perguntas com o recrutador, fui entrevistado em grupo, esperei por duas horas antes de ser entrevistado, enfim um processo cansativo, mas como na época eu estava em busca de novos ares e formas de trabalho, levei numa boa, apesar de internamente odiar esses processos.

Na segunda, foi pedido um projeto básico, uma tela simples, tinha que replica-la responsiva, fiz em menos de 2 horas e enviei no mesmo dia, tendo a resposta dois dias depois:
— Queriam me entrevistar pessoalmente no cliente final.
Marcamos a entrevista pra próxima semana, nessa entrevista fui no horário marcado, conheci o lugar de trabalho, fui recebido pelo entrevistador técnico, junto com mais 3 membros da equipe que iria trabalhar, um deles outro desenvolvedor front-end ( salve Lucas! ), que primeiro me deram as boas vindas, e depois apresentaram a empresa e o projeto, e depois começaram a entrevista:
(Lembro da famigerada pergunta que nunca me sai da cabeça até hoje,em pleno 2015):
- Mas e o Angular? Como tá o conhecimento de Angular?
- Respondi que tinha pouco conhecimento, mas o suficiente para trabalhar com a tecnologia, inclusive tinha feito meu portfolio com a tecnologia, mas ainda era recente esse conhecimento, expliquei como fiz o portfolio e como entendia o funcionamento da tecnologia.

Depois dessa resposta, e de várias outras, o time compartilhou risadas comigo, falando que muitos candidatos falavam que tinham conhecimento avançado na tecnologia, mas na hora de explicar como trabalhar com ela, se enrolavam e não sabiam como explicar.

No final me deram um feedback rápido, que eu tinha saído bem na entrevista ( isso é muito importante pro candidato, você dar um feedback mesmo que não seja assertivo em questão de contratação ou não, mas pra ele ter um direcionamento nas próximas etapas, ou até oportunidades que concorrer) e se dispuseram para perguntas sobre a vaga ou projeto ( isso também e muito bom pois mostra que a empresa esta aberta a opiniões e duvidas do candidato e que o processo é horizontal e não debaixo pra cima )

E dois dias depois me ligaram pedindo pra marcar um papo final sobre a contratação e que eu tinha passado na vaga.
Na semana que vem eu estava sentado com o Gerente do Projeto, acertando detalhes como horário, remuneração, ambientação no trabalho. Foi uma experiência muito boa pra mim, e guardo muito carinho e boas lembranças dessa experiência profissional, inclusive de nos primeiros meses, ter almoçado com o CEO da empresa no mesmo restaurante, o cara na mesma fila que eu e meus colegas. Diretores e gerentes serem super acessíveis, e olharem pra você como parceiros e não subordinados. Colegas de trabalho excepcionais, desde os QAS até desenvolvedores, designers, time de marketing todo mundo sempre muito solicito.

Enfim. Dois meses depois de ser contratado, recebi o feedback por e-mail da outra consultoria:
- Nos desculpe, Ruben, mas seu perfil para a vaga na Centauro não foi selecionado e a vaga já foi preenchida por outro candidato.

O outro candidato: Eu mesmo. Só que por outra empresa.
Sei disso porque na época em que fui contratado, só eu tinha sido contratado como front-end. Por essa outra consultoria que demorou dois meses para dar feedback, apesar de ter exigido um monte de coisas no processo, ninguém havia sido contratado.

Aí fica o questionamento: É mérito do candidato, ou da empresa que recruta e seus processos?

7. Exigências são importantes mas nem sempre

Li uma vez no Linkedin um post do Zeno Rocha, que na empresa que ele trabalha nos EUA, um candidato sem experiência prévia em programação, sem faculdade, estava trabalhando a poucos meses na empresa, tendo mentoria e todo suporte para trabalhar, e esse mesmo candidato estava produzindo muito em poucos meses e ajudando no crescimento da empresa.

Achei fantástico. Pensei, será que isso existe no Brasil ? Depende que Brasil estamos falando. Existem sites e páginas como o Vagas Arrombadas, ou o TIdiota, que mostram que uma boa parcela do mercado, se exige conhecimentos muito altos, alguns até impossíveis (como domínio de 5 anos em tecnologias que existem a menos de 2), que exigiriam uma década de experiência, muito dinheiro investido em cursos, para aí pagar algo como 2000 reais PJ. Vagas que pedem senioridade em vagas de estágio. “Estágio FullStack”, “Fullstack Junior”, pra mim soam como uma enganação sem tamanho, uma armadilha.

Vejo nos grupos de vaga de Facebook, recrutadores e muito candidatos falarem que isso é uma oportunidade, aprender de tudo, ser exigido ao máximo pra em poucos anos ser um profissional super experiente e referência de mercado.
Bom o que penso disso, é que empresas querem profissionais faz tudo, multifuncionais, uma equipe inteira que custaria ai por baixo uns 40–50 mil reais no minimo, em um profissional só pagando 2 mil reais. Geralmente a empresa tem pouco capital pra investir ou quer lucrar a todo custo vender um projeto e se aproveitar do profissional.
Não tem nada de errado em ter pouco capital pra investir, mas as exigências tem que ser do mesmo nível do investimento.

Certa vez vi na capa da Veja São Paulo um “empresário” do ramo digital, sendo celebrado, faz muito tempo em 2014 isso, ele tinha uma agência de blogs e sites, basicamente em WordPress, tinha altos contatos na elite paulistana, vendia os blogs por mais de 20 mil reais, manutenção de 15 mil por mês, para socialites, políticos, celebridades, tendo um faturamento ai por baixo de 300 mil por mês. Claro existe o custo de operação da agência. Exige os contatos que são dele. Custos de infra-estrutura.
Mas ai vi uma vaga de desenvolvedor WordPress na agência dele.
Salário de 2 mil reais. Sem benefícios. Trabalho exaustivo e aos fim de semana, sempre disponível.

Cara complicado. O desenvolvedor entrega um projeto com valor de venda de 35 mil e recebe apenas 2. Muitas vezes faz mais de um projeto por mês então essa entrega é até maior.

Mas o que quero dizer com isso tudo?

Ser exigente muitas vezes é bom, e muitas vezes não é. Existe uma diferença entre ser exigente, e ser explorador.

Existem pessoas como a Aline Bastos que criou uma lista de vagas para estágio e desenvolvedores júniors.

Existem fóruns de mentoria e que ajudam candidatos com vagas como o Front-end Brasil

Existem programas como o da Zup de capacitação profissional para jovens de periferia como o Estrelas fora da Caixa

Mentoria e formação como o Educafro,

Programas de formação como o Gerando Falcões

Autismo Tech, levantando debates importantes sobre a oportunidade de pessoas com Autismo no mercado de trabalho

Dentre outros ( cite nos comentários e coloco aqui depois)

Mas se sua empresa exige mais do que entrega ao colaborador, pode ter certeza que o resultado dela vai ser: Rotatividade grande, possíveis processos trabalhistas, e muitos desafetos no mercado. A empresa antes de ter apenas o foco só em lucro, tem uma função social, e não tem nada de errado você contratar conforme seu orçamento, mas saiba o que esperar conforme o que se tem.

8.Compartilhe riscos

Se a empresa que você trabalhar quer os melhores colaboradores, quer ter um ambiente saudável e sólido, quer ter um crescimento sustentável, não tem jeito, tem que assumir riscos junto com os funcionários.

Tem que pensar em plano de carreira, tem que ser claro com os colaboradores, tem que demonstrar os valores, tem que estar presente em momentos importantes, como numa doença, numa gravidez, num eventual problema psicológico.

Se a empresa quer ser um motor do desenvolvimento pessoal e profissional desse colaborador, onde ele vai conseguir realizar seus sonhos e projetos, ela tem que estar atenta as necessidades desse colaborador.

Por exemplo, em tempos de pandemia e pós pandemia, oferecer uma vaga para um candidato de TI que não seja remota, e esse candidato já trabalhar remotamente e que provavelmente gosta, não só é um tiro no pé, mas como é praticamente quase 100% chance de sua oportunidade ser recusada.

Alocar o candidato em tempos normais em um cliente sem dar o devido suporte, é muitas vezes visto por gestores como uma medida, que tanto faz, já que muitas empresas e consultorias tem contratos milionários, e de qualquer jeito vão ser pagos, caso o candidato seja desalocado, seja demitido ou não consiga se adequar a cultura do cliente.

Nesses dois casos teve falhas de estudo de perfil do candidato, com perfil do cliente, ou perfil de trabalho do candidato. O resultado é o candidato rejeitar a empresa em novas oportunidades, alta rotatividade, péssimas avaliações em ferramentas como Glassdoor, péssima imagem e referências da empresa e seus recrutadores no mercado.

Investir nas pessoas e no desenvolvimento delas é um legado incrível para uma empresa. É um risco,especialmente em um mercado volátil, incerto e aquecido. Mas é o melhor mecanismo a longo prazo, que mesmo que não retenha alguns talentos, com certeza o marketing boca-boca, as experiências aprendidas e a cultura legada, acabam atraindo novos candidatos com cultura parecida. Afinal se trata de pessoas e os valores entregues por colaboradores e empresas simultaneamente.

9.Antes de tudo a cultura

Cultura é algo muito difícil de definir, e ainda mais de praticar.
Pegando uma definição do google:

O conceito de cultura organizacional é tudo que envolve a rotina de uma empresa e funciona como diretriz para guiar o comportamento e mentalidade de seus membros.

Basicamente os colaboradores de uma empresa, seus gestores e fundadores tem que compartilhar uma cultura semelhante. Posições politicas, pessoais, religiosas podem ser diferentes, dentro do limite do responsável.

Se a empresa, profissional, seja ele o candidato ou o recrutador, seja ele a gerência ou fundadores, não defendem uma cultura forte e humana, participativa, colaborativa , pró-ativa, existem grandes chances de esse individuo ou empresa se auto-sabotar no mercado.

Nada adianta videos maravilhosos, processos bem feitos, recepções calorosas, candidatos que sabem todas as respostas, se apresentam a bala de prata da vez, se no dia dia, é tudo ao contrario.

Já vi muitos juniors com postura de Seniors. Muito senior com postura de junior.

Muito recrutador que não só te entrevista e defende os interesses dele e da empresa, mas auxilia o profissional em sua trajetória macro.

Muita gerência que se mostra realmente preocupada com o desempenho pessoal e profissional do colaborador. Com a saúde mental e física. Com a evolução técnica. Que isso não é só papo de marketing de Linkedin isso é pratica.

A isso tenho que agradecer muitas pessoas que encontrei na minha trajetória. Recentemente seis pessoas em especial. Quando entrei na Zup, um dos motivos foi entrar num projeto grande, de um banco, um desafio novo para mim.
O segundo foi os valores e cultura da empresa. Algo que eu avalio muito antes de salário ou benefícios. No meu primeiro projeto na empresa tive alguns problemas em que sempre fui auxiliado pela minha recrutadora Quésia Nogueira, quando já no cliente tive todo o auxilio e confiança do meu DSM, Fernando Queiroz, toda mentoria do meu BP, Eliseu Conz, e quando surgiu a oportunidade de trabalhar em um projeto do zero, tive todo o auxilio da Kenia Moura minha DSM atual para me ambientar e chegar junto no projeto, direcionamento preciso do meu TechLead Bruno Carvalho, e atenção da BP Isabella Fernandes.

Cara isso faz uma PUTA duma diferença!! Desculpa o palavreado, mas ter essas pessoas cuidando de você,olhando pra sua evolução dentro da empresa, discutindo suas necessidades e apontando caminhos, jogando junto do seu lado, é um diferencial que deveria ser a regra em todas as empresas e eu sei que não é.

A cultura não é sobre ter mesa de pebolim e chopp nas sextas feiras. Não é sobre artigos na mídia, e cases de sucesso. Não é a marca da empresa e sua impressão no mercado. É os funcionários. Como são tratados? Mero recursos? Pessoas? Como sua empresa tratou os funcionários na pandemia? Como auxilia em caso do funcionário ter algum problema pessoal que interfira em algo do trabalho? Trata o funcionário como uma ficha ou número, ou trata ele como alguém que tem melhorias a serem trabalhadas, mas tem muito valor a ser entregue?

Isso se trata a cultura!!

10.Pesquisa, Perfis e Resultados

Pesquisar perfil de candidato é algo chato imagino, algo difícil, lidar com diversos perfis e egos de candidatos também. TI é um ramo onde tem muito cacique pra pouco índio, muita capacidade mal aproveitada, muita gente se achando a ultima bolacha do pacote, muito gênio escondido em oportunidades mal pensadas.

Lidar tudo isso no dia-dia deve ser bem complicado. Ainda mais complicado o desafio de uma área que acredito ser muito mais instável que a nossa. Ser recrutador não é fácil.

De TI especialmente, que acredito existirem diversos perfis, Perfis que ignoram, perfis que exigem demais e entregam de menos, perfis que entregam demais e exigem de menos, perfis que se adequam a empresas como agências, outros como freelancers, outros como consultoria, outros como empresa de tecnologia, fintechs, bancos, e-commerces, startups, cada empresa, cada ramo tem seu ritmo, preocupações, cultura, nível de desenvolvimento organizacional, nível de maturidade no trabalho.

Cada perfil tem valores a agregar, e as vezes ter trabalhado numa empresa famosa não quer dizer muita coisa, ter um cargo de Sênior também não, ter cargo de gestor também não, ter relatórios e números impressionantes também não.

As pessoas sabem se mascarar. Sabem mentir, existem desenvolvedores que querem escalonar rápido no mercado, o que a anos atrás era impensável acontecer, como salários de mais de 6 mil reais em menos de 3 anos de experiência é uma realidade para muitos profissionais.

Assim como antes muitas vezes para algumas pessoas, apesar de menos recursos, menos cursos,videos no youtube, faculdades, empresas, startups ,tecnologias, o mercado parecia um pouco mais ‘orgânico’, Hoje parece que temos, um mercado farto para plenos e seniors, e um mercado bem limitado e extremamente concorrido para juniors e estagiários. Grande parte a cultura ou falta de cultura de alta lucratividade e falta de planejamento a médio e longo prazo de muitas empresas.

Muitos profissionais são mais habilidosos em empresas com um perfil semelhante ao seu. Muitos colegas reclamavam da empresa que trabalho, outros construíram a carreira e eram referência no mercado e na empresa, outros assim como eu estavam satisfeitos e felizes com o trabalho.
Se veem mais felizes em outra oportunidade ou cenário. Muitos não tem filho e responsabilidades, Muitos tem, e buscam um lugar mais controlado e sossegado, ou buscam o equilíbrio entre desafios e pressão e também estabilidade.

Existem empresas pagando duas vezes mais que a média do mercado, mas com exigência psicológica e pesada em questão de rotina de trabalho.

Existem profissionais ótimos em entrega de projetos e resultados, mas péssimos em entrevistas e processos seletivos. E isso é uma boa parte do mercado, especialmente profissionais tímidos, ou que não tem soft-skills como comunicação bem desenvolvidos. Muitos profissionais só querem programar, não se preocupam com habilidades que muitas vezes acabam sendo decisivas em contratações ou oportunidades.

Considerações Finais

Eu já estive nas duas pontas. Já assessorei recrutadores técnicos e também com perfil mais de RH e psicologia a encontrar candidatos e também já observei entrevistas de HeadHunters e Gerentes de Projeto. Já entrevistei pra empresa que trabalho atualmente, candidatos para projetos urgentes, de mais variados níveis, desde pessoas que se declaravam CTOS, até juniors recém chegados a menos de 6 meses de mercado.

O mercado está inflado. É difícil saber o que um candidato fala se é verdade ou não. Algumas coisas nos dão muitas pistas, outras nem tanto.

Acho que não existe a contratação ou o método perfeito para isso.
Existe um corpo de profissionais que se formam com o tempo em volta de valores e experiência, que compartilham visões parecidas apesar de diferentes backgrounds, e que trabalhando em conjunto conseguem trazer gradualmente cada vez mais valor para a empresa.

Acredito que o mercado de TI vai continuar evoluindo e crescendo cada vez mais, a inclusão de mais e mais pessoas no mundo digital, a extrema digitalização da economia, a chegada de gerações já digitais desde o berço vão gerar uma demanda cada vez maior, junto com tecnologias como 5G,IPV6, Machine Learning, Data Science pelo profissional de TI.

Já os profissionais de recrutamento, vão sofrer um desafio gigante, em que quem não se adapta e conhece pelo menos o básico da área em que atuam, quem não se atenta algumas questões que coloquei aqui nesse texto, quem não tem o mínimo de empatia, entendimento de mercado e valores de empresa e clientes está fadado ao fracasso. Mas isso não é só na área de recrutamento como em todas as áreas profissionais.

Especialmente TI por ser uma das áreas mais mentalmente estressantes, com maior número de casos de depressão e burnouts.

Obrigado, a você que leu todo esse texto, qualquer sugestão ou dúvidas, só comentar abaixo!

--

--